segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Os dois lados da Força e como sugiro lidar com eles.

Nesses tempos de crise política está sendo muito crítico discutir certas questões invisibilizadas.

Já sabemos que estabilidade emocional e psicológica é privilégio?
Já sabemos que somos todos um pouco opressores?
Já sabemos que empoderamento é privilégio?

Pra quem não sabe está na hora de ficar claro.

Avisos:
* Polêmicas sobre Lugar de Fala e Hierarquia de Opressão serão atiçadas a seguir. Tais polêmicas me estão incertas, ou seja posso cometer equívocos.
* referências a Star Wars a seguir.

Quando olhamos pra nossa própria pessoa temos diversas variantes de identidade, somos brancos, negros, indígenas, asiáticos, somos héteros, gays, lésbicas, trans, assexuais, somos mulheres, homens. Diversas variantes. Normalmente sabemos nos classificar dentro destas variantes, pode haver dúvidas uma vez que a formação da identidade nunca cessa ao longo da vida. Mas normalmente sabemos em grande parte com quais destas variantes nos identificamos.

Eu, particularmente, sou branca, mulher, bissexual/pansexual/demissexual, cis com tendências a agênero, de classe média.

Acontece que eu não sou só isso. Nenhum de nós é apenas um conjunto de variantes das categorias que a humanidade inventou até agora.

Eu sou feminista com dificuldades de empoderamento do meu corpo, sou depressiva e ansiosa, sou insegura e tenho problemas na família, tenho problemas de relacionamento, tanto sexual quanto de amizade, sou paranoica, pessimista, superprotetora, indecisa, solitária, potencialmente suicida, tenho dificuldades financeiras e desesperos cotidianos comuns.

Também sou anarquista, antifascista, reflexiva, questionadora, criativa, empolgada, conspiratória, espiritual, excessivamente empática, muito relativista e possivelmente alienígena.

Cada um de nós (nós do lado Jedi da Força, porque fascista tem que apanhar ate perder todos os dentes mesmo, então quando eu digo nós é esse nós , que fique claro), todos somos cada qual um conjunto de variantes classificadas e não classificadas. E precisamos entender que pra que consigamos interagir decentemente, é necessário enxergar o outro em sua totalidade, além das variantes comuns categorizadas historicamente, além de gênero, raça, classe, e sexualidade.

Mas como eu posso enxergar o todo de uma pessoa que acabei de conhecer?

Não pode. Não de imediato. Poderá se ambos decidirem se conhecer e desenvolver essa interação. Enquanto essa decisão não for tomada, simplesmente não tem como.
Que fazer então?

Lembre com calma que não é impossível trabalhar com incógnitas. Eu diria que não é nem difícil. Basta sempre partir da premissa que você não sabe nada da pessoa com a qual fala, até que ela vá se apresentando e se identificando.
Algumas variantes categorizadas são mais óbvias, quanto a etnia e gênero talvez, ainda assim, você não tem certeza até que a pessoa de identifique.
Normalmente o que acontece é que a pessoa se apresenta com seu nome, e a partir dele você deduz o gênero, talvez pela manifestação cultural da sua fala você possa identificar mais algumas variáveis. (Ainda sem certeza até que a pessoa de identifique)

Isso tudo acontece automaticamente.Você já faz tudo isso.
Inclusive é dentro desse processo automático que as pessoas reproduzem lgbtfobia, machismo, racismo. E isto é o meu melhor argumento pra nos convencer de que devemos tirar esse processo do modo automático e fazê-lo acontecer de forma consciente.

Parece difícil, mas basta calma e paciência.
Se você não estiver em condições de se manter em calma e sua paciência estiver nos limites, talvez você não deva estar interagindo com estranhos. Neste caso basta que você diga que não esta de bom humor e postergar a interação. Simples assim.

Se até agora estou me fazendo parecer muito simplista é porque o esforço de ser didática está sendo efetivo.
Nada disso é simples. É tudo mais complexo e confuso. Por isso vamos devagar.

Já estamos prontos (quase) pra olhar pro outro. Preparados, alerta, conscientes.
Mas precisamos também olhar pra nós mesmos.
Porque dentro de nossas variantes estão abertas várias margens pra opressão. Identifique seus privilégios, de classe, raca, gênero, sexualidade... É preciso estar mais alerta pra estas variantes, estás na qual você se encaixa no lugar privilegiado.
Afinal se você está do nosso lado da Força você não quer oprimir o amiguinhe, certo?
E você sabe que só porque se encaixa dentro de algumas variáveis oprimidas isso não te impede de ser opressor quanto a outras.

Ok, então. Já estamos preparados pra enxergar nossas posições privilegiadas.
Já estamos preparados pra interagir com um ser outro.
Só que não.
É preciso considerar também as variantes não-classificadas, não é mesmo?
Principalmente se vamos fazer uma interação política, crítica, construtiva, somatória.

As pessoas tem momentos, tem problemas, tem diferentes níveis de empoderamento e diferentes condições de estabilidade emocional e psicológica.
Precisamos lembrar a todo momento que não sabemos nada disso.
E só saberemos se o outro nos contar, e muito provavelmente não contarão.

O que fazer então?
Por segurança, considerar o pior dos casos.

Sempre converse com o outro partindo da premissa de que esta pessoa é sensível às suas palavras. Não só ao que você quer dizer com elas, mas também ao que ela está ouvindo do que você está dizendo.
Qualquer palavra perdida no meio da sua mensagem pode ser um gatilho pra alguma variante da pessoa que é o outro.
Por isso é importante ouvir o que se está dizendo. Prestar atencão.
Uma crítica construtiva da sua parte pode ser recebida como gatilho pra surtos e um possível suicídio de uma pessoa instável.

Isso não quer dizer que você não deve falar nada nunca, nunca criticar. Nunca questionar, nunca relaxar pra conversar com as pessoas porque pode gatilhar o outro. Quer dizer apenas que precisamos de cuidado.

E se faz necessário reiterar esse cuidado porque não estamos acostumados a ter esse cuidado.
E agora. Nesta época crítica da situação sociopolítica brasileira. Todos estamos meio em crise. Todos estamos instáveis, sensíveis, ariscos. É natural que estejamos. Então se faz mais urgente que prestemos atenção nesses fatores.

E antes que me ouçam como a hippie pacifista, repito, a comunicação não-violenta aqui se direciona ao nosso lado da Força.
Fascista se trata com violência sim, até ficar com medo dos Jedi, fascista tem que ser exposto, humilhado, apanhar, até querer se esconder.

Assim, tão importante quanto tudo que já foi dito, é necessário ver as pessoas com clareza.
Não é difícil enxergar quem é gente como a gente e quem tá do lado errado da Força.
Mas se você não tiver com os olhos abertos, você vai tratar um parceiro Jedi com a violência que um fascista merece.

Portanto devemos sair pra interagir com calma e olhos abertos.
Paciência e atenção.
No modo alerta, e automático desligado.

Quando estivermos vulneráveis, cansados, ariscos, sensíveis, se pudermos escolher (o que normalmente o capitalismo não permite) é ideal que fiquemos dentre amigos, em ambientes confortáveis, até que estejamos mais fortes.

Interação exige energia, concentração.
Recarregue-se.


Bhk2018

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